
Estive bem perto de saber o que era fome, e por isso saboreava cada mingau de maizena, cada prato de arroz e feijão como um banquete. Só ganhava roupas novas uma vez por ano e mesmo assim me sentia privilegiada. Apanhava de minha mãe por motivos idiotas, mas não sentia raiva dela, pois sabia que vivia sempre muito nervosa por conta da vida difìcil que a gente levava. Fui molestada sexualmente algumas vezes e preferia pensar que aqueles homens não faziam isso por mal, mas só eram uns fracos que não sabiam controlar suas taras. Fui humilhada várias vezes por parentes que se achavam no direito de fazer isso só porque tinham mais dinheiro, e chegava a conclusão comigo mesma que ter tanto dinheiro não faz bem para a cabeça. Via meus primos ter e fazer tantas coisas que eu não podia e mesmo assim eles eram tão chatos e birrentos, que cheguei a conclusão que ter demais é entediante. Quando meus pais se divorciaram não fiquei me fazendo de vítima e filha sofredora, fui consolá-loa, pois eles estavam sofrendo muito mais do que eu. Como pode ser isso? Criança não entende de conjuntura socio-econômica, criança não entende nada de psicologia. Não sei explicar, mas por algum motivo minha natureza humana, mesmo quando eu não entendia nada, escolhia olhar além da superfície das coisas. E sou muito grata por isso. E agora que descobri Pollyanna, não me sinto mais sozinha e fico feliz em saber que esta visão de mundo está sendo espalhada por aí. Leiam este livro e parem de se sentir vítimas do mundo, parem de olhar para seus umbígos. Não existe sofrimento, o nome certo é aprendizado. E aprender pode até doer, mas depois vem a redenção, a liberdade. Valeu pelo presente, Gilbertão!